terça-feira, 26 de outubro de 2010

Identidade e diferença

Nós, portugueses, grandes navegadores e escuteiros de continentes, fomos sempre fracos conhecedores dos cantos da própria casa, dando-se o caso espantoso de havermos batido a Abssínia, o Tibé, o inferno, deixando intactos os recessos fragosos da Serra da Estrela e do Barroso.
Vitorino Nemésio, Viagens ao Pé da Porta
A reflexão actual sobre a identidade portuguesa converge na sua organização dicotómica entre dois espaços, Portugal e os outros países (cá e lá, aquém e além) conduzindo, por isso, uma visão da cultura portuguesa como uma cultura de fronteira apoiada na realidade geográfica do país periférico ou semi-periférico que somos. O meu querido professor Eduardo Lourenço no artigo intitulado “«Lá fora» e «Cá dentro» ou o fim de uma obsessão” aponta como “Cá dentro” a maneira de ser insular dos portugueses que se sentem “cercados de mundo, que visto e sentido do interior da ilha que somos, ou da nossa interioridade simbólica, é um «Lá fora» que, em última análise, nada altera o sentimento de intimidade, de conforto, de plenitude que nos confere a ideia de cá dentro”. Estas interrogações sobre o lugar da cultura portuguesa afastam a ilusão de nos fecharmos e preferirmos o refúgio de um passado que nunca existiu e de um presente que não tem futuro.
Por outro lado, a pequena escala em que supostamente o português vive: “É no meio os pequenos objectos que ele [o português] se sente à vontade, é neles que investe enchendo a casa de mil bibelôs, fotografias, cobrindo as paredes com coisas pequenas, quadros, cromos, ex-votos, etc.” terá afirmado José Gil. Acredito que em Portugal se vive a ilusão de liberdade ou síndrome de Liliputh: mergulhados na pequena escala não chegamos a viver uma genuína liberdade, mas apenas a sua ilusão. Penso que é importante uma perspectiva aberta de identidade, com os olhos postos na compreensão da diferença. Ao invés de uma visão centrada apenas no que nos distingue sem ter em conta a complexidade e o relacionamento com outras realidades e outras culturas. Neste sentido é importante reflectir sobre as contradições de um Portugal que foi simultaneamente centro de um grande império colonial, que não conseguiu gerir convenientemente, e a periferia de uma Europa que se vai desenvolvendo sem quase o incluir.
Vivemos um excesso de identidade que se deve aos mitos e lendas que enfermam algumas visões do nosso passado. Mas do que se trata é olhar o nosso passado com rigor histórico e desfazer as ideias falsas. O excesso de identidade pode ser uma das causas da nossa paralisia social e cívica. “Somos portugueses antes de sermos homens” e o peso dessa identidade afecta os percursos individuais e degrada o espaço público. O excesso de identidade conforta e imobiliza, somos o que somos e isso desculpa-nos, exime-nos do debate, protege-nos do conflito e empurra-nos para o queixume.
Crise ou excesso de identidade? É natural que continuemos a padecer de uma chamada crise de identidade. Porque temos cerca de oito séculos de autonomia, temos uma inevitável complexidade quanto aos mecanismos de identidade, dado que esta última sempre foi sendo reinventada ao longo da nossa história. Parece que quando não há crise no horizonte, é Portugal que definha em substancial crise. Porque a ideia de crise talvez seja tão antiga quanto a própria ideia nacional. Mesmo o sebastianismo que nos marca talvez não passe de uma simples mitificação da crise. Se uns poderão falar, à maneira do primeiro Antero, na ideia de decadência, já outros, ao estilo de Pessoa, apontam a existência de uma tripla camada de negativismo: a decadência, a desnacionalização, a degenerescência. Porém, a consciência de crise talvez constitua um excelente estímulo para a superação da mesma. Vamos acreditar que sim!

sábado, 9 de outubro de 2010

O papel das sociedades secretas no advento na República

Hoje venho falar da República... Mas este discurso pretende-se despojado do carácter enaltecedor de que habitualmente se revestem os discursos sobre a implantação da República. Não venho, contudo, manifestar o que caracterizou a 1ª República: um regime de vale-tudo, de ameaças, de extorsões, de perseguições e ódios...
É conhecida a acção determinante das sociedades secretas, nomeadamente a Maçonaria e a Carbonária, na implantação da República mas é importante não confundir o papel que ambas tiveram. A Carbonária foi de facto uma sociedade secreta pois actuava no maior sigilo, sem dar sinais da sua existência para o exterior. A Maçonaria, cujos nomes dos dirigentes eram conhecidos e publicavam boletins e anuários, dificilmente podia ser considerada uma sociedade secreta. Remonta ao século XVIII, teve origem em Inglaterra e distinguia-se por ser uma espécie de ponto de encontro e de diálogo entre homens com ideias políticas e religiosas díspares. Já a Carbonária nasceu 100 anos depois em Nápoles, em plena Restauração. Congregou inicialmente, em Itália e França, descontentes com o rumo da Europa após o Congresso de Viena como sendo os liberais, antigos militares napoleónicos, burgueses, intelectuais e estudantes.
Em Portugal a Carbonária Portuguesa, republicana, surge em 1897 a partir da uma organização estudantil, a Maçonaria Académica. Paralelamente existiu outra organização, com a designação de Bonfim, conhecida como Liga Progresso e Liberdade que foi descoberta pela polícia, dissolvendo-se. Os seus membros, anarquistas intervencionistas ou republicanos avançados, fundaram outro núcleo que se intitulou de Carbonária Lusitana, conhecida também como Carbonária dos Anarquistas. Embora a Carbonária Lusitana fosse autónoma e constituida essencialmente por operários que não desprezavam a luta política, a colaboração com o Partido Republicano fez com que alguns dos seus membros se passassem para o campo republicano.
Em finais de 1907 fundiram-se as duas carbonárias. Há notícia da existência de outras organizações de cariz carbonário autónomas que actuavam em conjunto com outros grupos como a Coruja ou os Mineiros. Alguns membros da Carbonária Lusitana, como José do Vale, João Borges e Bartolomeu Constantino participaram no 5 de Outubro, sob a direcção da Carbonária Portuguesa.
Relativamente à Maçonaria, apesar de se tentar manter fora do cenário político num sentido partidário, a verdade é que a sua republicanização acabou por ser notória. A Maçonaria era uma organização que se definia como progressista, defendia o progresso da Humanidade e para muitos maçons em Portugal esse progresso era incompatível com a Monarquia. Assim se explica a necessidade de mudança. Durante a Primeira República cerca de metade dos ministros eram maçons, o mesmo sucedeu com três dos Presidentes da República: Bernardino Machado, Sidónio Pais e António José de Almeida.








terça-feira, 5 de outubro de 2010

O "meu" Outono


Hoje falo-vos sobre a chegada do Outono, mas não com aquela habitual nostalgia que se liga ao fim do Verão. Desta feita vim falar não da imagem típica do Outono (árvores despidas, folhas caídas, paisagem triste) mas de uma excepção da natureza que se vive nos Açores. Digamos que o Outono insular é uma segunda Primavera, florindo a vegetação de Setembro a Novembro. Devido ao clima sub-tropical, o interior das nossas ilhas apresenta-se florido, já que a Natureza responde ao sol e ao calor.
O assunto veio à baila outro dia numa conversa informal no trabalho com estagiárias continentais em que se falou de festas que se faziam na escola primária como os magustos. Eu percebi de imediato que na infância o "meu" Outono não se vivia da mesma forma lá na ilha. O meu regresso à escola era ilustrado, não por folhas caídas, mas por um "mar de rosas", ou melhor de beladonas (nome científico Amaryllis belladonna ou Brunsvigia rosea (Lam.) Hannibal), também conhecida como Menina vai à escola que é uma flor originária da África do Sul que floresce à beira dos caminhos, em canteiros e jardins, entre o final do Verão e o princípio do Outono.